VALÉRIA COSTA PINTO

Entrelinhas

Gaby Indio da Costa Arte Contemporânea

11/03 – 03/05/2024


Entrelinhas

A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) alerta frequentemente sobre o crescimento da demanda mundial de alimentos e a incapacidade de atender às novas necessidades humanas. O Brasil poderá exercer vital importância no enfrentamento desta crise que se aproxima, se houver otimização e/ou substituição de suas culturas, por possuírmos a maior área cultivável do planeta. Entretanto, quase 90% de nossas lavouras só produz três alimentos: soja, milho e cana.

As pressões para um crescimento econômico a qualquer custo com a expansão da fronteira agrícola sobre os bosques da Mata Atlântica, Cerrado e Amazônia, transformaram as florestas naturais em paisagens achatadas, desoladas, monocromáticas, que instigam a visão crítica de quem as contempla. Até sob uma mirada mais poética e menos política, um viajante percebe claramente a solidão das árvores remanescentes em meio às vastas plantações, e que se mantêm de pé graças, tão somente, aos órgãos de fiscalização do meio ambiente, que aplicam pesadas multas a quem as derruba sem autorização. O vale do rio Paranapanema, que separa os estados do Paraná e São Paulo, possui uma das mais férteis terras do país, assim como é a mais saturada na proporção de áreas cultiváveis, claramente superior aos 80% permitidos por lei. Também, desde sua colonização iniciada há 100 anos, é palco de inúmeros conflitos de terras.

Poá em tupi: sorte, felicidade, prosperidade.

Panema: azar, maldição, algo proibido.

No antagonismo entre os termos do título desta mostra se situa o dilema entre a necessidade de se alimentar a superpopulação planetária e, por outro lado, assumirmos os riscos de irreversibilidade nas mudanças climáticas, as quais já nos causam maldições, justamente pela adoção destes métodos de produção agressivos ao meio ambiente. A busca pela prosperidade (poá) nos levando ao seu oposto (panema).

É irresistível fotografar estas árvores solitárias e exercer minha função cidadã ao reportar estes fatos. A decisão de trabalhar à noite, em longas exposições, com lanternas e luzes presas a um drone, segue uma identidade que venho desenvolvendo há mais de três décadas, resistindo à tentação de manipular posteriormente ao ato fotográfico. Procuro me esforçar em obter todos os efeitos fotograficamente, em cena, inspirado pelo silêncio e mistérios noturnos. A noite passa a ser um “papel em negro” onde traço meus rabiscos sobre imensas perobas, ipês, ibiturunas, begeiros etc, bravas senhoras homenageadas com luz. A busca da beleza, enfim, pode ser uma potente estratégia política.

Renan Cepeda

novembro de 23