MARIA FERNADA LUCENA
“Boneca de papel”
Casa França Brasil
Curadoria Bruna Araújo
02/03 – 28/04/2024
É bem próximo daqui, na Praça XV, que Maria Fernanda Lucena, semanalmente, revolve memórias. Frequentadora da Feira de Antiguidades, tem por hábito colecionar objetos e retratos e, no clima nostálgico das manhãs de sábado, dedica-se a uma procura atenta, preferencialmente fotografias 3×4, de rostos desconhecidos dos anos 1960, 70 e 80.
Nestas mesmas décadas, circulavam nas bancas de jornais as bonecas de papel, ou paper dolls,como eram conhecidas popularmente na Europa e nos Estados Unidos. Em geral, vinham no formato de fascículos em revistas femininas, dedicados às crianças, e propunham um exercício lúdico de recorte e colagem. Tais publicações, que, até então, se restringiam a assuntos domésticos, dicas de beleza e fotonovelas, precisaram se adaptar às recentes exigências de consumo, decorrentes dos acelerados processos de industrialização e das investigações sobre o corpo que ocupavam o centro das discussões políticas, estéticas e sociais.
Na série aqui apresentada, revisitada e ampliada para esta mostra, Lucena explora a lógica da brincadeira, mas subverte seu caráter, porque não lhe interessa criar figuras harmônicas e identidades herméticas. Elas são justamente a interseção de resquícios imagéticos com o que a artista forja da própria memória, o resultado de um processo de edição. De perto, é possível observar que as pinceladas da artista não se preocupam em ser completamente uniformes, e o papelão, material que dá suporte aos trabalhos, absorve parte da tinta. Essas ações combinadas causam um ruído na pintura, apontam as perdas da própria matéria, tal como ocorrem com as algumas de nossas lembranças.
Os personagens de Maria Fernanda estão de pé para serem lidos, sós e na companhia de seus avessos. Exibem figurinos de importantes estilistas, uma saudação ao universo da moda, no qual ela iniciou suas pesquisas. Eles nos convocam a adentrar um território labiríntico, com interrogações perspicazes e bem-humoradas, um jogo de espaços vazios e transitórios, fragmentados e abrangentes como nossos corpos podem ser.
Na sala contígua ao salão monumental, há ainda o tríptico “Sem título”, uma pintura-homenagem. A única retratada que Maria conhece: a avó que dedicou longas horas da vida ao seu cuidado, e que agora podemos imaginá-la trajada com as coisas mais lindas.
Bruna Araújo