ANA MUGLIA e RAFAEL PAGATINI

Tensão

Curadoria e texto Agnaldo Farias

Gaby Indio da Costa Arte Contemporânea

08/11 – 1/12/2012


Ao contrário de aproximar trabalhos com poéticas e acabamentos semelhantes o que certamente permitiria um resultado harmônico, aqui optou-se pelo contrário. Em primeiro lugar porque num tempo em que as diferenças são sufocadas em nome de consensos tão apaziguadores quanto falsos, faz mais sentido sublinhar a existência de vozes distintas, caminhos singulares. Em segundo lugar porque produzir tensão numa área expositiva relativamente pequena, termina por aumentá-la, o que é muito bom. Mais não fosse porque é justamente esse o projeto do Escritório de Arte de Gaby Indio da Costa, que se inaugura com essa exposição: apresentar obras potentes, de autoria de artistas comprometidos com a pesquisa e a experimentação. Arte incomoda. Esse é o princípio da coisa toda.

Ana Muglia e Rafael Pagatini ilustram essa linha de pensamento. Embora sejam autores de obras diversas entre si, e pertençam a comunidades artísticas igualmente distintas, Ana mineira, Rafael, gaúcho, é fato que o aparente inacabamento dos trabalhos de Ana terminam por encontrar sua correspondência nas imagens difusas e enevoadas de Rafael.

As pinturas/objetos de Ana Muglia deixam ver o tempo dispendido em sua execução, todos os variados passos concernentes a um caminho longo, tortuoso e profundamente meditado, no qual os protagonistas são as mãos e os olhos guiados por uma engenharia fundada no improviso e na capacidade de articular elementos díspares. Há um quê de parede em suas pinturas. Ou de tapume. Qualquer coisa indecisa entre um e outro e que nasce do desejo de vedar, construir um anteparo que, ademais de sua superfície movimentada, atrai pelas frestas obtidas. Pinturas, no geral, nascem do desejo de sublimar a existência das paredes em que vem fixadas. São uma outra coisa, pretensamente mais especial. Mas não no caso de Ana que prefere produzir paredes, esse elemento que trai o desejo ancestral de isolamento, de abrigo. Como escreveu Osman Lins: “as paredes [de uma casa] impedem que nos dissolvamos na vastidão da terra. Nossa artista traz para a frente o que está por detrás, ativa-a, trabalha sobre ela até finalmente deixá-la num estado de inacabamento permanente. Vemos todas suas decisões, supressões e acréscimos, as marcas de suas ações que se vão depositando num plano que tanto pode ser grande como a parede de uma casa, como essas que ora ela apresenta logo à entrada do escritório, como nas telas de pequeno formato, onde esse labor resolve-se em solução camerística.

Rafael Pagatini, tanto em suas gravuras quanto em suas pinturas, opera sobre imagens. Dir-se-ia que, diversamente de Ana, cujas obras são ostensivamente materiais, ele se ocupa de uma substância impalpável e diáfana do mundo contemporâneo – afinal as imagens estão em toda parte -, empenhando-se em transformá-las em visões. O artista turva e impõe mistério às imagens, desviando-as do destino que a indústria de consumo lhes que dar, que é o de fazê-las confundir-se com a própria realidade. Para tanto, Rafael transpõe fotografias para superfícies reticuladas na tela de um computador, imprime-as em papéis, cola-as sobre telas de tecido e as vai perfurando até obliterar as imagens originais, transformando paisagens e retratos em motivos enigmáticos. Fiel a sua ética de gravador, também suas pinturas são múltiplas, uma trincheira que tem por objetivo combater o excesso de realidades com as quais somos diariamente bombardeados e cujo caráter ideológico vem oculto sob a aparência de imagens nítidas e vistosas.

Da materialidade ao mistério, a tensão entre os trabalhos de Ana e Rafael, ao passo em que não se resolve, amplificam a ideia de um mundo em suspensão.

Agnaldo Farias