EXPOSIÇÃO COLETIVA

A medida do olhar

Texto Isabel Sanson Portella

Gaby Indio da Costa Arte Contemporânea

13/03 – 05/05/2023


A MEDIDA DO OLHAR 

O meu olhar é nítido como um girassol… E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto. E eu sei dar por isso muito bem… 

(Fernando Pessoa) 

Ao falarmos sobre experiências artísticas e sobre o papel que é desempenhado pela percepção podemos entender perfeitamente o quanto os dois processos estão interligados. O ser humano, ao olhar, avalia, compreende e interpreta. Começa exatamente aí a criação, que se desenvolve na medida da sensibilidade de cada um, que cresce em busca de uma conexão com o mundo e da troca de energias. A criação artística se nutre do senso de harmonia e beleza que os homens são capazes de compreender nas ordenações universais da Natureza. O artista, segundo considerações de Marcel Duchamp, caminha da intenção para a realização seguindo uma cadeia de reações totalmente subjetivas, que acabam por deflagrar uma luta interna de decisões e de rejeições. Como resultado temos a realização efetiva da obra que quase sempre difere da intenção primeira. O espectador é também criador quando não apenas olha, mas reflete, considera e julga. É na troca de olhares, na diversidade das percepções, tanto de artistas quanto de espectadores, que se dá a criação, a pluralidade dos saberes e das relações que o ser humano estabelece com o meio que o cerca. É na medida em que o olhar amplia a relação entre sujeito e objeto que a distância entre esses dois polos é preenchida com sentidos ou interrogações. 

A galeria Gaby Indio da Costa Arte Contemporânea, ao reunir artistas com poéticas tão diversas, oferece um imenso painel de percepções. Um incrível convite para conhecer, isto é, ser invadido e habitado pelas imagens.
Cada artista oferece seu olhar para falar de vivências, entendimentos, assombros. Cada um conta histórias, ora intimistas, ora reveladoras. ANA MUGLIA reúne materiais diversos integrando a arquitetura, as artes visuais e a música para criar uma obra instigante que permite ao olhar diversas indagações. ANDREA BROWN utiliza madeira tratada, palha e a estética geométrica para falar de afetividade, do cotidiano, da simplicidade. A cadeira de palhinha sugere uma humanidade muito além das linhas, sombras e relevos. ANNA HELENA CAZZANI, com a série “Objetos Gráficos”, oferece ao espectador um percurso indicando voltas, encontros e retornos. A experiência individual levará a trajetos e roteiros únicos que serão mais significativos à medida da capacidade de avaliação de cada um. BEL BARCELLOS usa o bordado e lança seu olhar para a geração de vida. O poder de transformação do grão, das sementes que estarão sempre oferecendo possibilidades de renovação. Sobre um fundo de repetições geométricas, a artista convida a pensar sobre as mudanças que podem ser realizadas no cotidiano. CAROLINE VEILSON nos remete às diversas camadas, às sobreposições que surpreendem a todo momento. Nem sempre o papel usado como suporte é o habitual nos trazendo a resultados inesperados. E, portanto, é preciso reciclar, recorrer a criações originais, permitindo assim que o olhar repouse na leveza da obra. DANIELA VIGNOLI empresta sua sensibilidade ao criar uma outra realidade com bordados sobre fotografias. Leva o espectador a muitos e relevantes questionamentos. LEONARDO VIDELA usa cores exuberantes e formas que procuram a verticalidade, a ascensão. Se o guache é suave e difuso ao fundo, torna-se bem definido nas formas que alternam a geometria e as curvas delicadas. MANOEL NOVELLO conversa com as linhas, a geometria, cores e ângulos com tanta intimidade que por vezes o olhar se perde em detalhes que encantam e falam de espaços que desejamos adentrar. As formas criadas trazem memórias urbanas, atiçando a imaginação, construindo caminhos. MANOEL VEIGA escolheu atalhos que o levaram das ciências à arte. “Matéria Escura”, que tem como ponto de partida as pinturas de Caravaggio, é o mistério sombrio que surpreende o espectador. MARCUS ANDRÉ, na série “Edificantes”, cria espaços afetivos, permitindo que camadas se sobreponham nas construções, que as cores e formas se organizem oferecendo imagens de harmonia perfeita. MARIA FERNANDA LUCENA trabalha com a construção da imagem, com os deslocamentos cronológicos e construção de cenas a partir de personagens e símbolos acrescentados à narrativa. O resultado é instigante, pois o tempo, as camadas de tinta e as figuras dialogam perfeitamente. MERCEDES LACHMANN dirige seu foco de interesses para as pesquisas no campo da escultura e da instalação. O espaço e as formas, a água e as questões ambientais estão presentes em seu processo criativo emprestando-lhes um sentido de urgência o que leva os espectadores a refletirem sobre transformações, tempo e ciclos de vida. Sua obra permanece no imaginário, sua poética emociona pela força e vitalidade. RICARDO BECKER, em sua obra “Silêncio”, parte da forma para falar do intrínseco, do essencial. O silêncio, tão cheio de significados, e o ouvir andam pela mesma trilha. Se obra e título causam estranhamento, é parte da intenção do artista revirar conceitos e formalidades. ROSÂNGELA DORAZIO capta imagens para em seguida desconstruí- las, brincando com a ação do tempo, construindo semelhanças que têm apenas a memória da realidade. As interferências da artista são arte como as artes da natureza interferem na nossa sensibilidade. VALÉRIA COSTA PINTO apresenta um trabalho que oferece múltiplas leituras, questionamentos e considerações. Como se adaptar às dobras do percurso? Os altos e baixos da existência, a impermanência, os caminhos seguidos são pontos de reflexão suscitados pela artista que em cada obra amplia as possibilidades do olhar crítico. 

Isabel Sanson Portella

Março de 2023