MARIA FERNADA LUCENA

“Boneca de papel”

Paço Imperial

Curadoria Bruna Araújo

22/03 – 21/05/2023


Faça você mesma!

É aqui, na Praça XV, que Maria Fernanda Lucena, semanalmente, revolve memórias. Frequentadora da feira de antiguidades, tem o hábito de colecionar objetos e retratos e, no clima nostálgico das manhãs de sábado, dedica-se a uma procura atenta, preferencialmente fotografias 3×4, de rostos desconhecidos dos anos 1960, 70 e 80.

Nestas mesmas décadas, circulavam no mercado editorial brasileiro as bonecas de papel, ou paper dolls,como eram conhecidas popularmente na Europa e nos Estados Unidos, consequência do aumento das revistas endereçadas a uma fração do público feminino e da ampliação dos espaços dedicados à moda. Tais publicações, que, até então, se restringiam a assuntos domésticos, dicas de beleza e fotonovelas, precisaram se adaptar às recentes exigências de consumo, decorrentes dos acelerados processos de industrialização e das investigações sobre o corpo que ocupavam o centro das discussões políticas, estéticas e sociais.

Embora mudanças tenham sido inevitáveis, o jornalismo dedicado às mulheres atuava em uma espécie de conciliação entre os novos hábitos e as tradições estabelecidas. Na contramão das transformações e de uma virada iconográfica impulsionada por artistas e movimentos feministas e de classe, que rejeitavam representações fixas e uma identidade hermética, o exercício lúdico de recortar e colar figuras e vestimentas parecia ainda operar para que o público infantil, sobretudo as meninas, mantivessem a casa sob algumas ordens.

Em seus trabalhos, Maria Fernanda resgata lembranças e estabelece uma relação de troca com o que encontra, costurando suas referências musicais e os figurinos de estilistas que admira. Desloca os rostos de um lugar passível de neutralidade para poses e gestos afirmativos e os coloca de pé para serem lidos. A série aqui apresentada, que une colagem a pintura, explora a lógica da brincadeira, mas subverte seu caráter, criando um território labiríntico, de interrogações perspicazes e bem-humoradas, um jogo de espaços vazios e transitórios, fragmentados e abrangentes como nossos corpos podem ser.

Bruna Araújo