MANOEL NOVELLO
“No Centro”
Curadoria Isabel Portella
Centro Cultural Correios RJ
26/06 – 10/08/2024
NO CENTRO
Para que serve a pintura
a não ser quando apresenta
precisamente a procura
daquilo que mais aparenta,
quando ministra quarenta
enigmas vezes setenta?
Paulo Leminski
Manoel Novello percorre o centro da cidade do Rio de Janeiro com olhos de arquiteto, de observador sagaz, de artista das linhas que se cruzam e atravessam suas obras repletas de cores e significados. São muitas ruas, avenidas, becos e passagens em seu caminho. O percurso o leva a considerações que incidem em sua poética, a questionamentos que buscam o equilíbrio no desequilíbrio, a harmonia no caos.
Para NO CENTRO, exposição que ocupa o espaço do Centro Cultural dos Correios, Novello buscou imagens urbanas, desafiadoras e atraentes, que permanecem vivas em sua memória. Tudo o interessa: das calçadas às fachadas de prédios que resistem ao tempo, os locais mais populares e os de maior afluência, ruas que escondem surpresas cativantes. Certamente, caminhando a seu lado, esteve João do Rio a falar da alma encantadora das ruas. Para o escritor assim como para o artista, a rua não é apenas um alinhado de fachadas por onde se anda. É mais do que isso. É um fator da vida das cidades, é generosa e transformadora e na argamassa de seu calçamento há suor humano. Um século separa as considerações do escritor que amava as ruas e retratava suas luzes e sombras, da arte de Manoel Novello, abstrata e que utiliza o vocabulário geométrico da arquitetura. Ambos, entretanto, percebem o que existe de mais vivo e dinâmico nesse lugar de convergência que é o centro do Rio. São tantas as referências, locais de fluxo intenso e pontos icônicos, que se torna difícil escolher com qual dialogar.
Será que tudo me interessa? A pergunta de Caetano Veloso em “O nome da cidade” – música que desperta em Novello várias questões sobre o observar a cidade – vai sendo respondida em suas obras de modo muito significativo. A cidade me atravessa, constatam Caetano e Manoel! As imagens se sobrepõem como ruas voando sobre ruas, como viadutos e as infinitas linhas que se cruzam.
O Amarelinho, bar da Cinelândia, erguido no estilo neoclássico em 1921; a Estudantina, gafieira fundada em 1928 e que ainda hoje promove dança e música nas noites cariocas; Cordão do Bola Preta, bloco criado em 1918, nome tradicional quando pensamos no carnaval carioca. Todos, locais populares e queridos do povo há mais de um século e que Manoel Novello ressignificou em obras destacando o centro do Rio como espaço também de diversão popular. Em outra obra apresenta o Belas Artes, museu e referência cultural. Central do Brasil e SDU-Santos Dumont, fazem alusão aomovimento de transporte da população, os pontos nevrálgicos de qualquer cidade, em obras com colorido representativo.
A série Jogo da Bola, destaca uma das ruas mais antigas e tradicionais do Morro da Conceição, estreita e sinuosa, com piso de paralelepípedos e muitos sobrados. A arquitetura lusitana resistiu ao tempo, não somente na Rua do Jogo da Bola, mas também na vizinhança de casinhas com fachadas coloridas. O artista traz a singeleza dessas construções, as cores e a memória de uma época que sobrevive.
Manoel Novello reúne na exposição NO CENTRO, obras que refletem seu talento e sensibilidade. É um relato amoroso daquilo que o artista percebe no concreto, no espesso da cidade e que o atravessa, produzindo imagens de transparência abstrata. Cada coisa é demais, nas palavras de Caetano, traduzem o que Novello entende como visibilidade em uma cidade movimentada. São cores, linhas, planos e formas num fluxo constante, que arrebatam e inspiram.
Isabel Portella